Reputação muito além de crises

Reputação e crises
Preocupar-se unicamente em sanar feridas reputacionais provocadas por crises equivale a colocar band-aid em uma perna quebrada

Um dia qualquer, uma empresa (também qualquer) descobre estar sendo alvo de um número incomum de reclamações de clientes, usuários ou consumidores, seja em redes sociais, serviços e portais especializados, agências governamentais. O alerta vermelho se acende: é preciso amenizar o desconforto, buscar formas de contornar a situação, resolver os problemas e (ou) muitas vezes, tentar apenas abafar o caso para não ganhar proporções maiores e chegar, sei lá, em um programa dominical de TV com grande audiência como exemplo negativo de ações de companhias malvadas.

Uma crise desse tipo está naquela categoria de acontecimentos perniciosos, com grande chance de danos. Não é a única, claro. As áreas de gestão de risco podem se debruçar sobre questões que vão de sequestro de executivos a incêndios de grandes proporções, ataques de hackers e até, cada vez mais em alta, desastres climáticos. Tudo isso passa por avaliações, análise de seguradoras e outras que tais.

Reputação se constrói tijolo a tijolo1

Nesse quadro, a reputação assume papel de destaque. Mas a questão é que construir repentinamente cara de bom moço, do nada, não funciona.

A reputação não é alguma coisa que surja da noite para o dia. Ela é construída devagar e sempre, tijolo a tijolo, com atenção a detalhes muitas vezes despercebidos no cotidiano. Imagine uma empresa cujo recepcionista está de mal com a vida e recebe (ou trata) clientes com truculência ou descaso. Mesmo que se trate, na maioria dos casos, de um profissional terceirizado, o desgosto já está posto. Um consumidor maltratado na central de atendimento, um atraso em entrega (ou pagamento), assistência técnica desajeitada… cada pequeno ponto de contato pode se transformar em um benefício ou prejuízo à reputação.

Aqui na Percepta, um de nossos sócios relata que teve, há anos, um problema com a locadora de automóveis Localiza. “Fiquei de mal e ponto”, diz. Mas este ano precisou usar o carro reserva e foi direcionado pela seguradora exatamente para a Localiza.

“Não importa os detalhes, aconteceu outro problema. Em lugar de Reclame Aqui, fui até a loja onde peguei o carro, expus o problema, a moça me atendeu maravilhosamente bem. Mais: precisei que a resposta ao meu questionamento fosse mandada por e-mail. Entrei em contato com a Localiza, expus essa necessidade e, outra vez, fui surpreendido pela qualidade do atendimento”, conta.

Esse é um dos melhores exemplos de como pequenas coisas têm o poder de alterar uma avaliação.

Quando ela se torna ainda mais necessária, quando em um momento de crise, é esse “saldo” (ou “débito”) reputacional que vai jogar a favor da solução do conflito, seja ele qual for (ou não, no caso do “débito”). Sem explorar melhor esse capital favorável, a gestão já sai no prejuízo, obrigada a construir do dia para a noite o que deveria ser semeado diariamente, obrigando as equipes que entram em campo a buscarem virtuais malabarismos para deixar tudo nos trilhos.

Mal comparando, é como literalmente querer colocar um band-aid em perna quebrada. Claro que existem times profissionais com experiência suficiente para substituir o band-aid por uma cirurgia ortopédica, mas o custo é alto. O tempo exigido é longo, os resultados chegam lá adiante, mas nessa altura o estrago já está feito.  Por isso, cabem aqui ditados tão antigos quanto válidos: na reputação, também é de grão em grão que a galinha enche o papo, e devagar que se vai mais longe.

5 pontos fundamentais, entre tantos outros que podem ser explorados para evitar uma crise:

  1. Seja o guardião estratégico de sua marca: monitore a saúde de sua marca ao longo do tempo, acompanhe o que está sendo dito sobre a empresa nas redes sociais, na imprensa, pelos seus parceiros de negócio e em sites de avaliação.
  2. Faça a gestão proativa dos feedbacks de clientes e colaboradores: de nada adianta incentivar clientes e colaboradores a darem feedback se a resposta às reclamações não for rápida e a resolução de problemas em tempo hábil.
  3. Comunique-se diretamente com cada um dos seus stakeholders, personalize sua mensagem: assegure-se que a comunicação da empresa seja clara, honesta e transparente com todos os stakeholders, incluindo clientes, parceiros e funcionários. Evite promessas que não podem ser cumpridas.
  4. Treinamento de colaboradores e alinhamento de valores: garantir que todos os colaboradores estejam alinhados com a narrativa da empresa e preparados para representar a marca de forma adequada. O comportamento dos funcionários tem grande impacto na percepção externa.
  5. Cuide da sua Narrativa ESG: desenvolva ações que tenham sinergia com os valores da empresa e que sejam mantidas de acordo com os propósitos da marca e expectativa de seu público.
  1. Imagem de Esi Grünhagen por Pixabay ↩︎

Reputação e a relação com Stakeholders

Upcycling e Reputação empresarial
A narrativa ESG colocada de uma maneira prática para ampliar a reputação empresarial nos diversos stakeholders.

Recentemente estava lendo uma matéria sobre a Ziel Cosmetics que abordava a técnica de Upcycling – processo para transformar resíduos ou produtos descartados em novos materiais ou produtos de maior valor, o que reduz o desperdício e promove a economia circular.

O termo upcycling, segundo o Ecycle foi cunhado pelo ambientalista alemão Reine Pilz, em 1994. Em 2002, popularizou-se com a publicação do livro Cradle to cradle: rethinking the way we make things (no Brasil, Cradle to cradle: criar e reciclar ilimitadamente), escrito pelo arquiteto americano William McDonough em parceria com o químico Michael Braungart.

A brasileira Ziel Cosmetics é pioneira no conceito de upcycling beauty, reaproveitando subprodutos da vinicultura (como sementes de uva) para criar cosméticos, o que minimiza o desperdício e reduz a pegada de carbono. Além disso, a empresa colabora com comunidades locais, não realiza testes em animais, e adota embalagens sustentáveis, reforçando seu engajamento com práticas éticas e ambientais responsáveis​ (Ziel Natural Cosmetics).

Upcycling e reputação empresarial

Percebemos que a relação entre upcycling e reputação empresarial é cada vez mais relevante, especialmente em um contexto em que a sustentabilidade é um dos fatores importantes para a relação entre consumidores, investidores e parceiros de negócios com as empresas ou suas marcas.

A própria presença desse conceito expresso na marca, fortalece seu manifesto ao associar valores em relação à responsabilidade social e engajamento com causas ambientais, tão necessárias atualmente. Por outro lado, isso contribui para ampliar seu relacionamento com os stakeholders de forma a trazer resultados mais atraentes para a companhia.

  1. Colaboradores – Um bom lugar para se trabalhar: Práticas de upcycling podem impactar positivamente os colaboradores, especialmente da geração mais jovem, que valorizam empresas que demonstram preocupação com o impacto ambiental.
  2. Governo e Órgãos ReguladoresCompliance e reconhecimento público: As empresas podem alinhar suas operações com legislações e regulamentos ambientais, ganhando reconhecimento positivo de governos e órgãos reguladores. Algumas regiões oferecem benefícios fiscais ou selos verdes para empresas que demonstram práticas sustentáveis, o que contribui para fortalecer sua reputação.
  3. Fornecedores e Parceiros cadeia de suprimentos sustentável: Ao optar por fornecedores que utilizam upcycling em seus processos, a empresa pode fortalecer suas parcerias comerciais e criar uma cadeia de valor sustentável, o que pode levar a um efeito cascata, incentivando outros fornecedores a adotar práticas semelhantes. Além da possibilidade de desenvolvimento conjunto de produtos. Um exemplo é a parceria entre a Adidas e a Parley for the Oceans, que transforma plástico retirado dos oceanos em produtos esportivos. Isso fortalece tanto a reputação da marca quanto a dos parceiros envolvidos. Outro exemplo que podemos citar é a empresa brasileira Mush – que utiliza subprodutos orgânicos da agroindústria e transforma em uma nova matéria-prima moldável e que pode ser descartada direto na natureza. Com essa nova matéria prima é possível desenvolver peças de decoração, materiais de construção civil e até mobiliário.
  4. Investidores aumento de valor de mercado – Essas práticas ambientais e de economia circular tendem a ser mais valorizadas no mercado financeiro e aumentam a atratividade no mercado quando adotadas e comunicadas em seus relatórios de ESG.
  5. ONGs e Instituições de Sustentabilidade desenvolvimento de parcerias. Empresas podem colaborar com ONGs que promovem a sustentabilidade ao fornecer materiais recicláveis ou ao co-criar projetos de upcycling. Por exemplo, uma empresa de moda pode doar sobras de tecidos para uma ONG que ensina costura para comunidades carentes, promovendo inclusão social e geração de renda.
  6. Comunidades Locais – empresa promotora do desenvolvimento social –  Uma empresa pode se envolver com comunidades para desenvolver projetos que beneficiem diretamente a economia local. Por exemplo, uma fábrica de alimentos pode doar restos de embalagens para artesãos da região, que os transformam em produtos vendáveis, gerando emprego e renda. As Empresas podem promover eventos ou workshops nas comunidades onde operam, ensinando técnicas como reciclagem de móveis ou moda sustentável.
  7. Clientes – fortalecimento do relacionamento e aumento de vendas: criação de programas que incentivam os clientes a devolverem produtos antigos ou usados para serem reciclados ou transformados em novos produtos por meio do upcycling. Empresas de calçados, como a Timberland, fazem isso, atraindo consumidores com consciência ecológica e melhorando a reputação da marca.

Esses fatores, combinados, ajudam a consolidar uma reputação sólida e confiável no mercado, o que pode gerar vantagens competitivas a longo prazo.

Veja alguns exemplos de Upcycling

    Reputação, cultivando relações de confiança com fornecedores

    Relação com fornecedores
    Práticas como deixar fornecedores esperando em ambientes desconfortáveis ou atrasar pagamentos, quando tornam-se rotineiras, podem ter um impacto profundo na reputação da empresa

    Um de nossos sócios compartilhou uma experiência vivida no passado com uma empresa líder no varejo nacional. Ao visitar o departamento de compras, ele descreveu um cenário preocupante. “Fui atendido rapidamente, mas o que presenciei foi desanimador”, relatou.

    “O comprador demonstrava uma postura autoritária, criando um ambiente de desequilíbrio, onde fornecedores esperavam em condições inadequadas, sem a menor cortesia.”

    Essa situação de desequilíbrio não só prejudica a relação comercial, mas mina a imagem da empresa diante de seus parceiros. Uma abordagem mais construtiva e equilibrada poderia gerar resultados positivos e fortalecer o capital reputacional da organização. Quando os fornecedores sentem que são tratados com respeito e têm suas demandas ouvidas, eles se tornam aliados, e não apenas prestadores de serviço.

    O tratamento inadequado, infelizmente, não é incomum. Muitas vezes, empresas exibem uma face amigável para clientes e investidores, mas mostram uma postura muito diferente com seus fornecedores. O descaso pode se manifestar em atrasos em reuniões ou, pior, em prazos de pagamento não negociados, criando frustração e desconfiança.

    No entanto, existem alguns caminhos para evitar esse desgaste e melhorar a reputação:

    • Estabeleça processos claros e transparentes de comunicação para manter uma linha de diálogo aberta, reduzindo possíveis tensões e mal-entendidos. Quando os prazos e expectativas são alinhados, os fornecedores acabam sentindo-se mais confortáveis e respeitados.
    • Compromisso com os prazos e acordos realizados: quando uma empresa adia pagamentos constantemente, sua imagem sofre. Por outro lado, ser reconhecida pela pontualidade fortalece laços de confiança e beneficia ambas as partes.
    • Revisão contínua de práticas de atendimento aos fornecedores: Pequenos ajustes podem trazer grandes resultados. Um ambiente acolhedor e organizado, por exemplo, demonstra respeito e profissionalismo.

    O compromisso com práticas éticas e respeitosas na gestão de fornecedores não apenas protege a reputação da empresa, mas também contribui para um ambiente de negócios mais saudável e sustentável. Quando a relação com os fornecedores é bem estabelecida, ela fortalece a imagem da empresa e pode até transformá-los em influenciadores positivos, recomendando seus produtos ou serviços a outros compradores. É um ciclo virtuoso de confiança e colaboração criando valor para todos os envolvidos!

    A reputação que vem de fora

    Reputação e cadeia de valor
    O comportamento de diversos elos da cadeia de valor de uma organização, de fornecedores e parceiros a clientes, pode impactar desde sua reputação até suas as vendas

    Nenhuma empresa ou organização está sozinha. Isso é óbvio. Mas nem sempre os impactos desses relacionamentos são bem estabelecidos quando o assunto alcança os temas reputação e seu impacto em vendas e negócios.

    Imagine uma empresa de grande porte. Ela precisa se apoiar em uma cadeia de fornecimento que pode somar milhares de outras companhias, que por sua vez compram produtos, serviços, insumos e matérias-primas de outras tantas. Em um mundo com questões ESG em  pauta, todo esse universo vai pesar a favor (ou contra) a empresa contratante.

    Para quem ainda imagina que essa pauta é filosófica, ideológica ou longínqua, alguns fatos mostram o contrário. Na questão ambiental (o E de ESG), o Conselho Europeu aprovou, no ano passado, uma espécie de imposto sobre a emissão de carbono de empresas exportadoras para países da União Europeia (Carbon Border Adjustment Mechanism, ou CBAM). O mecanismo atingirá importações de produtos intensivos em carbono, como minério de ferro, fertilizantes e cimento. Até o fim do ano que vem os comerciantes devem informar sobre emissões, com aplicação prevista a partir de 2026.

    Além disso, em abril o Parlamento Europeu aprovou a Diretiva de Due Dilligence de Sustentabilidade Corporativa (CS3D), que obriga companhias europeias com mais de mil empregados a verificar suas cadeias de valor, da extração da matéria-prima à distribuição do produto final, o que envolve, inclusive, fornecedores que a princípio sequer têm relação comercial com a Europa, como um vendedor de carne ou algodão para empresas que – essas, sim – exportam para as europeias.

    A crise financeira de 2008 deflagrou compromissos mais ajustados de instituições financeiras com o risco de seus clientes, definidos no chamado Acordo de Basileia. Mesmo assim, situações como a recente derrocada das Americanas suscitaram suspeitas de colaboração de instituições financeiras na operação de maquiagem do balanço.

    Ou seja, acreditando ou não, gostando ou não, muitas companhias serão envolvidas no jogo sob pena de impacto comercial. As grandes já se preparam, com maior ou menor aprofundamento. A Natura começou a medir indicadores ESG em toda sua cadeia de valor em 2021 e identificou que 96% de seu impacto climático está relacionado a essa cadeia, tanto antes como depois da fabricação, incluindo consumo e descarte. Também criou o programa Embrace, para envolver a cadeia em iniciativas de impacto positivo. Uma das premiadas foi a Wheaton, cuja pegada de carbono desabou com a adoção de biometano em fornalhas. Este ano a Natura anunciou ainda sua Aliança Regenerativa, para capacitar parceiros na adoção de soluções sustentáveis.

    Foto Divulgação Fonte: https://www.wheaton.com.br/blog/acontece/a-wheaton-foi-reconhecida-pelo-programa-embrace-realizado-pela-naturaco/

    A Vivo também anunciou antecipação de sua meta net zero de 2040 para 2035 de olho na redução de emissões de escopo 3 (cadeias de fornecedores e clientes). Um desafio gigante para quem tem 1,2 mil fornecedores e mais de 110 milhões de clientes. Primeiro, empenhou-se em um programa com 125 fornecedores intensivos em carbono, emissores de 85% do total da cadeia, para ajuda-los a estruturar planos de ação – 61% deles já aderiram à iniciativa (a dificuldade é maior com empresas de pequeno e médio porte). O GPA também exige de seus fornecedores a adesão de uma carta com princípios éticos. Mas isso não foi suficiente para criar barreiras contra produtores de vinho cujas fornecedoras, por sua vez, incluíam empregadoras de mão de obra em situações análogas à escravidão, como Salton e Aurora (o que pode demonstrar a complexidade na atenção à questão da cadeia de valor e seus impactos).

    Já o banco ABC, voltado a clientes corporativos, anunciou recentemente medidas para impulsionar seus clientes rumo à economia verde – a ideia é mostrar quantas toneladas de carbono, por exemplo, um financiamento ou empréstimo pode gerar e guia-los na adoção de melhores práticas.

    Na contramão das gigantes, a marca francesa Vert fabrica no Brasil seus tênis cobiçados por personalidades como Kate Midleton e Emma Watson. A empresa nasceu para fabricar calçados com respeito ao meio ambiente e remuneração justa de sua cadeia produtiva, escolhida a dedo. Sustentabilidade e transparência permitem que a empresa cobre preços similares à de líderes globais e levaram seu faturamento a 250 milhões de euros (em torno de R$ 1,3 bilhão), praticamente por conta de sua reputação, passada de boca a boca.

    O exemplo mostra que o compromisso real (e não somente boas intenções ou greenwashing) constrói reputação e vendas com apoio que vem de fora (neste caso, dos fornecedores). Ou seja, cada vez mais todas as empresas serão impactadas, mais cedo ou mais tarde, por quem está fora de casa, de fornecedores a clientes. Entender essa equação vai ajudar a manter as vendas em paz.

    Incentive a lealdade à sua marca

    Fidelidade e Reputação
    Não importa o mercado, o tamanho da empresa e as muitas realidades: o impacto da reputação e a lealdade dos clientes rendem vendas maiores e melhores, da mesma forma que a agregação de valor em produtos e serviços premium dirigidos ao segmento mais fiel a marcas e companhias. Uma empresa que deseja ter clientes leais, a lealdade deve ser compreendida internamente de alto a baixo – até pelo porteiro que recebe uma visita com cordialidade. Os benefícios reputacionais estendem a fidelidade a todos os públicos, clientes, fornecedores,  instituições de crédito e investimentos, imprensa, revendedores, prestadores de serviço e por ai vai.

    De que clientes leais são mais lucrativos ninguém duvida.

    Em primeiro lugar, eles eximem companhias e marcas do enorme esforço de captação para atrair aqueles ainda não aderentes a seus produtos e serviços. Em segundo, porque têm o potencial de consumir mais e melhor do que os demais, incrementando os resultados em volume e lucratividade.

    Isso também todo mundo sabe: clientes leais muitas vezes tornam-se verdadeiros embaixadores, expandindo o alcance da divulgação a respeito de marcas e empresas de forma orgânica e qualificada – principalmente em tempos de primazia de redes sociais, onde a recomendação ou a boa nota é essencial para a tomada de decisão de compra dos consumidores.

    Aí entra a famosa reputação.

    Empresas com boa reputação vendem mais, fazem melhores negócios, têm maiores chances de ter sucesso em negociações. Vendedores de empresas bem-conceituadas passam menos tempo nas salas de espera, são recebidos com maior atenção e têm mais facilidade de conversar com as várias pessoas que, de uma forma ou de outra, podem ter papel importante em algum momento do processo de vendas, recepção de documentos ou solução de pendências.

    Ninguém escolhe marca, produto ou serviço cuja reputação esteja comprometida.

    A questão é que para ter boa reputação é preciso caprichar em muitos territórios, já que ela, a reputação, é construída ao longo da vida, peça a peça, como num gigantesco quebra-cabeças em que uma delas – talvez a mais sutil – é reflexo da qualidade do relacionamento com clientes e outros públicos.

    Imagine um cliente satisfeitíssimo com sua compra. A pesquisa anterior à aquisição mostrou uma legião de adoradores. O processo de venda e pagamento que encontrou foi fluido, muitas vezes com simpáticos, educados e prestimosos profissionais pelo caminho. A entrega no prazo agregou pontinho extra de satisfação. O uso do produto, porém, deixou alguma dúvida e o cliente foi levado a entrar em contato, digamos, com a assistência técnica, onde ele se deparou com atendentes mal-humorados ou impacientes; pronto:  razão de sobra para impactar seu apreço pela transação.

    Não adianta coisa alguma o vendedor ser hábil no relacionamento, se lá na outra ponta o cliente encontra um atendimento seco, frio, insensível. Como todos esses processos têm impacto reputacional, basta uma ponta cair para a marca, produto, serviço ou empresa perder pontos e talvez ser desconsiderada em uma próxima aquisição.

    Isso também ocorre em âmbito interno com empregados, expostos a um sem fim de relacionamentos. Compradores, financiadores e outros tantos públicos passam pelo mesmo roteiro. O tom do relacionamento deve vir de cima, do topo corporativo, e descer ladeira abaixo até o porteiro que recebe uma visita com cordialidade.

    Pacotes prontos – soluções mágicas

    Quando se fala de marketing de relacionamento muitas vezes surgem propostas mágicas de soluções expressas em programas muitos deles inspirados, talvez, no antigo modelo de pizzarias, “compre 10 e ganhe uma de graça”.

    Quando esse tipo de programa era novidade esse modelo até que podia funcionar, mas houve uma brutal evolução e tais programas se tornaram um negócio em si mesmos. O segmento de empresas especializadas no fornecimento e troca de pontos (ou milhas) acumulados a cada aquisição por produtos, serviços e passagens aéreas, reunido sob a Associação Brasileira de Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF), mostrou que seu faturamento atingiu R$ 5,2 bilhões no primeiro trimestre deste ano, 7,6% maior que em mesmo período do ano anterior.

    A questão é que embora programas deste tipo caiam como uma luva para companhias com dezenas de milhões de clientes, como aéreas e cartões (de onde nasceram boa parte das empresas especializadas no segmento), fatalmente não são adequados àquelas empresas com características diferentes, sobretudo na área de b-to-b.

    Cada caso é um caso único, inexistem empresas iguais com realidades idênticas, por isso programas de relacionamento devem ser desenhados sob medida. Uma indústria de medicamentos tem características de mercado que pouco têm a ver com uma fábrica de postes ou outra de dobradiças.

    Personalização

    Sem personalização não há como se falar em marketing de relacionamento, cuja aplicação prática não se limita a jogadinhas bem boladas, mas depende de planejamento amplo e muita disciplina e contribuir para que a empresa como um todo seja bem-vista e, com isso, colabore para o relacionamento fazer sua parte na construção da reputação.

    Os recursos infinitos proporcionados pela tecnologia da informação proporcionam inúmeras alternativas para programas em que a personalização está presente e o impacto garantido. Mas nem sempre o uso desses recursos é necessário ou indicado.

    Um exemplo interessante é o de uma consultoria de locação de mão de obra que, entre outras atividades muito bem estudadas, aproveitava a leitura dos jornais do dia para pescar fatos referentes a seus clientes ou ao mercado de atuação do dito cujo. Isso feito, era enviada uma nota pessoal cumprimentando o diretor da empresa-cliente. Outro, um revendedor de carros de luxo, que mandava um simples lápis – isso, um lápis de boa qualidade, mas de qualquer forma um simples lápis – para compradores de alto nível de renda com uma observação na linha “vamos escrever juntos belas histórias com seu novo Porsche”.

    Claro que na seara digital, onde abundam dados sobre os clientes, hoje, derrubadas muitas das barreiras de custos tecnológicos, praticamente não há motivos para não os empregar para personalizar o relacionamento, além de boas recomendações de compras.

    Pratique o bom relacionamento  e incentive a lealdade como um dos pilares reputacionais. Os resultados da empresa agradecerão.

    ESG, reputação e vendas

    Vender mais e melhor
    Reputação vale, mesmo, é para vender mais e melhor
    Vamos direto ao bottom line. É justamente pensando nisso, no resultado final, ou seja, vender mais e melhor,  que as empresas devem pensar em levar a sério a reputação empresarial. Incluindo (ou não) o ESG.

    Num fenômeno relativamente recente, a pauta ESG ganhou notoriedade, atraiu empresas e trouxe foco sobre a urgência de cuidar do planeta, das relações humanas e empresariais com mais atenção.

    Como se com a prática do ESG, a reputação estivesse garantida.

    A grande verdade é que o pessoal de vendas poucas vezes percebia que na hora do vamos ver, os fatores decisivos para fechar pedidos fossem outros.

    Talvez (ou principalmente) por isso ESG começou a ser afetado por um conjunto de diferentes fatores, entre eles, a dificuldade em tornar evidente que os investimentos estavam dando resultados práticos, capazes de afetar o bottom line

    Imagem publicada em https://www.meioemensagem.com.br/marketing/esg-verba-e-metricas-sao-desafios-de-cmos-no-brasil

    Numa espécie de falsidade ideológica, muito greenwashing foi praticado e percebido como tal. Muito se abusou desse recurso usado por empresas para defender um perfil sustentável desde criancinha com a divulgação de práticas nem tão legais nem tão concretas assim. Houve efeitos geopolíticos, como a guinada para trás na adoção de energias limpas na Europa com a guerra da Ucrânia e o esperneio de agricultores ante bloqueios por parte de compradores mais exigentes. Pesquisa publicada pelo jornal Meio e Mensagem trouxe à tona a dificuldade de executivos de marketing em lidar com o tema. Entre os 106 CMOs entrevistados, 90% reconhecem sua relevância, mas só 20% dizem conhecer a disciplina em profundidade.

    A imagem da marca é a principal motivação do grupo (76%), seguida por impacto positivo para a sociedade (74%) e reputação para a marca (63%). Na rabeira, questões de impacto mais direto, como atração e retenção de talentos (37%) e pressão de stakeholders (31%).

    A preocupação com imagem pode provocar distorções como marcas responsáveis por tragédias ambientais do nada quererem personificar Ártemis, a deusa grega protetora da natureza. O impacto positivo para a sociedade é um conceito difuso e, na verdade, está “dentro” daquilo que compõe a reputação.

    Pouco adianta tanto para um investidor saber se a marca patrocina o campinho de futebol da comunidade vizinha quanto para um consumidor saber se a empresa é transparente na bolsa de valores.

    A reputação se constrói na correção do dia a dia. E muitas vezes aqui também surge alguma confusão.

    Muitas marcas ligadas ao consumidor final já sofreram arranhões reputacionais amplificados pelo mundo cada vez mais digital, causados por questões que tangenciam o ESG como terem maltratado clientes com determinado perfil (o S, de social), ou acabarem com o meio ambiente (o E, do inglês environment).

    Vamos falar claro: há um impacto com implicações nas vendas ainda mais diretas –a pressão externa. Além de consumidores finais, grandes empresas, pressionadas pelo mercado de capital e outros fatores, passam a exigir de seus fornecedores comportamento mais aderente às práticas ESG. E aqui é onde entram as maiores exigências reputacionais, respaldadas em atitudes concretas.

    Gigantes da agropecuária brasileira começaram a sofrer demandas de clientes europeus. Adianta dizer que são verdes de corpo e alma? Nada. Desvios de conduta são atestados por instrumentos que incluem até imagens de satélite disponibilizados por terceiros.

    Não são poucos os casos práticos, que exigem respostas. A reputação construída passo a passo sobre bases concretas (ESG é uma delas, entre tantas outras) é um dos principais pilares para resultados idem. A Apple consegue vender produtos com preços fora da média não só pela qualidade de seus produtos, mas pela reputação construída ao longo de décadas. Como dissemos antes, boa reputação ajuda a vender mais e melhor e contribui para perpetuar resultados favoráveis.

    Barriga no balcão

    Reputação e Análise de vendas
    O valor de experimentar na pele as reações, as dificuldades e as alegrias em diferentes processos do negócio

    O arsenal disponível para o processo de checagem de reputação é gigantesco. Mas um deles é essencial e traz resultados muitas vezes inesperados: a barriga no balcão.

    A prática, embora evitada por um bom número de executivos por mero comodismo, é historicamente empregada por marcas como McDonald´s e Disney, e leva executivos responsáveis por tomadas de decisão a tomar o lugar de funcionários em contato com clientes e outras áreas chave das empresas.

    Simples assim.

    O formato facilita, e muito, a compreensão dos clientes, dos colaboradores e das agruras – ou alegrias – surgidas no dia a dia de quem está na ponta do processo.

    Isso pode se estender por várias camadas.

    Gerentes de produto acompanharem o pessoal vendas em visitas a clientes; sentirem de perto o dissabor de longas permanências em salas de espera; compreender a dificuldade de vencer objeções do cliente; o longo caminho para chegar ao OK final do muitas vezes difícil comprador.

    Fazer-se de cliente e conversar tanto com gerentes de loja como de balconistas em canais de venda, para ter noção exata da argumentação e linguagem que esse pessoal utiliza em relação a produtos e marcas expostos nas lojas. Sentar-se na mesa de atendimento do SAC para ter consciência de como é difícil enfrentar clientes com reclamações quase sempre justíssimas e ter, por isso, no outro lado da linha, pessoas mal-humoradas.

    Sem dúvida: coisas simples, “analógicas”, com zero charme mas essenciais para negócios do mundo real.

    O  cardápio de opções disponível para aprofundar o entendimento da reputação inclui esse “outro lado do balcão”. O processo leva ao levantamento de questões que podem ir desde a checagem da posição do produto na gôndola de um supermercado até a avaliação do tipo de atendimento em uma central de relacionamento.

    Avaliação de marca em supermercados
    Foto de kevin laminto na Unsplash

    Da mesma forma, e numa outra ponta, faz parte do DNA da Percepta, antes de propor o que quer que seja a um cliente ou prospect, familiarizar-se com o dia a dia da equipe de vendas para entender o que de fato está acontecendo, informações consideradas às vezes de menor relevância para o andar de cima, a diretoria, mas de valor inestimável. Trata-se, para nós, de uma prática tanto no início do trabalho com nossos clientes como durante o processo de monitoramento das atividades. Por exemplo, no mercado de construção, costumamos visitar diversos tipos de lojas, desde home centers até aquelas lojinhas menores em que o dono faz tudo. Conversamos com vendedores, balconistas para comprovar a reputação da empresa e, inclusive, verificar possíveis gaps em suas atividades comerciais. 

    Agir dessa forma não é tudo, mas contribui para a composição do perfil reputacional de uma companhia. Afinal de contas, a boa reputação mora naquele delicado equilíbrio entre como a empresa é vista por seus dirigentes e executivos e, ao mesmo tempo, entre os demais públicos fora do grupo de decisão. Bons executivos não têm coisa alguma a perder – só a ganhar – ao passearem por alguma dessas praias. É um aprendizado que não tem preço.

    Reputação em empresas familiares exige continuidade

    Empresa familiar
    Tal pai, tal filho? Em empresas familiares, melhor que seja assim

    A representatividade das empresas familiares no mercado brasileiro mostra um grupo de peso econômico considerável e carregado de desafios – inclusive reputacionais. A forte ligação corporativa entre o negócio e o sobrenome por trás dele coloca uma camada extra de reputação relacionada ao perfil social dos indivíduos, ou parentes, que atuam em diferentes esferas da companhia, demandando maior atenção a quesitos como comunicação interna e externa.

    Dados do IBGE indicam que as famílias empresárias chegam a compor 65% do PIB nacional e respondem por cerca de 75% dos empregados brasileiros. Segundo a Fundação Dom Cabral, em 2022 a maior parte (73%) delas faturava menos de R$ 100 milhões, e 77% reuniam entre 50 e 499 funcionários – as empresas familiares de médio porte possuem em média mais funcionários (224) do que as não familiares (196).

    O estudo considerou a predominância dos membros das famílias proprietárias no controle acionário e indicou que 71% das médias empresas brasileiras se encaixam nesse perfil, entre as quais 47% se encontravam na primeira geração, 43% na segunda e só 10,1% na terceira geração do controle da sociedade. A maioria se qualifica como o primeiro negócio de seu fundador.

    Mas um dos desafios das empresas com esse perfil é a questão reputacional. Como todas as outras, as empresas familiares precisam lutar pela sua posição no mercado e zelar por sua reputação, com atuação sólida no mercado. Isso inclui desde manter vendedores ou representantes afinados com o jeito de ser da empresa (cultura), motivados e informados, até processos de divulgação bem formatados para levar marcas e produtos a todos os públicos de interesse, tratando-os com respeito devido.

    O diferencial está exatamente na personalização, ou na fusão entre executivos e corporação, que tende a ser ainda maior, praticamente inevitável, no caso de empresas familiares, tanto no bom quanto no mau sentido. Um dos exemplos é o Magazine Luiza. Mesmo empresa de capital aberto, a ligação com a fundadora Luiza Trajano resistiu ao longo do tempo, levando para dentro da corporação benefícios da exposição pública de ações de assistência a públicos desassistidos, por exemplo.

    O cenário impõe a necessidade de comunicação clara e transparente, para dentro e para fora dos muros da empresa. Por exemplo, impõe-se a necessidade de consolidar a imagem dos sucessores perante o público interno e os demais interlocutores da empresa. Para o público interno é essencial descrever o papel de cada membro da família e demais executivos na companhia, para que não sobrem dúvidas sobre a responsabilidade de cada profissional. O mesmo ocorre em caso de clientes que, até por histórico, preferem falar diretamente com o “dono” do que com um filho.

    No que diz respeito ao papel social, um dos pontos de atenção são perfis em redes sociais dos familiares envolvidos na empesa, que merece avaliação de até que ponto pode impactar (ou não) a reputação corporativa. Outro aspecto relevante relacionado à comunicação é o reforço e a preservação da cultura empresarial, sem deixar de lado a inovação e a renovação que todo negócio merece ter. Mais um é tratar com transparência processos decisórios e de gestão, já que nem todos os demais executivos e funcionários terão o acesso informal de que dispõem aqueles que participam dos almoços familiares dominicais, por exemplo. Também ganha lugar neste cenário a comunicação com os diferentes públicos de interesse, ou stakeholders, durante os processos sucessórios.

    Cabe a ressalva: obviamente, donos ou familiares, via de regra, acumulam tarefas de gestão dos negócios, muitas vezes sobrecarregadas e sem tempo de sobra para se dedicar com mais atenção a questões relacionadas a marketing. A menos, claro, que algum familiar tenha preferido este caminho para sua atuação profissional. Se não for este o caso, há razões de sobra para buscar apoio externo de consultorias qualificadas, dispostas a viver a realidade das empresas a ponto de se tornarem capazes de interpretá-la e transmiti-la de forma a garantir a manutenção de seus valores das gerações atuais e cimentar bases reputacionais seguras para as gerações futuras.

    Caso Nubank expõe desafios em crises reputacionais

    Conturbações no ambiente interno refletem desafios provocados por discursos controversos da liderança e seus impactos entre clientes

    A exposição do Nubank no mês de junho como apoiadora da produtora de vídeos Brasil Paralelo, identificada como difusora de revisionismo e negacionismo (a exemplo da tentativa de desacreditar Maria da Penha, responsável pela lei de proteção de mulheres contra agressores) e que chegou a ser desmonetizada pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE) por divulgação de notícias falsas, provocou um tsunami de comentários negativos em redes sociais e a fuga nada discreta de clientes – muitos fizeram questão de alardear o motivo do encerramento da conta, retroalimentando e mantendo a crise em alta.

    Um dos pontos críticos foi a divulgação de um evento da produtora pela cofundadora do banco, Cristina Junqueira, em sua conta no Instagram – a executiva, ainda, acabou deixando o quadro de conselheiros do site Ranking dos Políticos, que tem a Brasil Paralelo entre seus mantenedores. A questão é que uma fala ou opinião pessoal tem a força de comunicado institucional, graças à potência propagatória das mídias sociais. Artigo da BCG de abril aborda o tema e mostra o valor da discrição em um mundo polarizado, em que dirigentes e executivos se tornaram mais cuidadosos para assumirem posições atinentes aos valores preconizados pela empresa para não serem surpreendidos por iniciativas antagonistas às posições assumidas – como apoiar pronunciamentos a favor ou contra questões mais sensíveis.

    Fonte: https://www.bcg.com/publications/2024/how-leaders-can-navigate-a-polarized-world

    Estudos da consultoria apontaram que emerge não uma imagem de empresas que se afastam de seus valores, mas de “empresas que recalibram quando e como fazer ouvir suas vozes em era de polarização política e de câmaras de eco virais nas redes sociais”. “As empresas também estão a adotar uma abordagem mais sofisticada com as comunicações geradas, gastando menos tempo a divulgar os seus compromissos e mais a construir o seu business case (…) ”, aponta o artigo. Também estão “documentando as suas ações e explicando as suas posições diretamente aos funcionários, clientes e outras partes interessadas importantes (…), aprendendo a evitar termos que se tornaram politicamente carregados, sujeitos a interpretações errôneas ou que irritam segmentos-chave de seus clientes (…) e construindo mecanismos mais rigorosos para abordar questões espinhosas e mitigar os riscos de relações públicas”. No Nubank, a crise provocou resposta da empresa dizendo não apoiar o canal Brasil Paralelo, analisando a ação como “controle de danos”, que não precisaria ocorrer se houvesse mais cuidado nas manifestações de seus líderes. Também contaminou o ambiente interno, com comentários nada positivos de funcionários circulando nas redes sociais corporativas, reforçando a crise externa. Segundo o portal Intercept, mensagens internas da direção do banco apontaram a necessidade de revisar políticas de comunicação da alta liderança, mas saíram em defesa de Junqueira.

    Além de minimizar o post, comunicado interno reforçou a pluralidade de ideias e se posicionou contra “censura” e “intolerância” dos que se posicionaram contra a associação da marca ao ativismo cultural da produtora, bem como contra suposta violência contra quem “promove pontos de vista diferentes. Também destacou como uma das fontes para alimentação do problema “vazamentos internos” sobre seus comunicados. “Qualquer um que recorra a vazamentos (…) deveria procurar outro local de trabalho.”

    O caso destaca algumas questões. Uma, que a cultura da liderança parece um tanto contraditório com imagem e discurso inovador da startup que abriu as portas para a revolução digital do sistema financeiro brasileiro. Até que ponto disrupção e conservadorismo entram (ou não) em contradição? Outra, como comunicados do banco aos funcionários admite, a falta de preparo e de política mais bem definida sobre discursos públicos. Mais uma, uma certa inocência ao presumir que discussões internas que não envolvem segredos estratégicos, como planejamento de produtos ou desenvolvimento de algoritmos, fiquem restritas ao ambiente da empresa.

    Claro que não é a primeira vez que tropeços de executivos acontecem no mundo corporativo. Por força do boca-a boca alguns casos se tornaram anedotas, como o agradecimento do então presidente do Corinthians às Brahmas que a Antarctica mandou de brinde ou a coletiva de imprensa da Souza Cruz quando um dos porta-vozes deixou transparecer um maço de Marlboro (marca de cigarros da concorrente Phillip Morris). Menos engraçados são casos como a demissão de um executivo da Locaweb que insultou um time de futebol em perfil pessoal de rede social.

    Do ponto de vista reputacional, em que os pontos positivos são estimulados por políticas comunicacionais integradas abrangendo todos os públicos de interesse (stakeholders) e todos os seus pontos de contato, o exemplo indica uma possível atenção maior do banco com, digamos, a comunicação com mercado financeiro e de capitais, do que com o perfil social adequado a seus executivos – o que, hoje, pesa tanto junto a consumidores finais do que patrocínios e ativações milionárias em eventos diversos, segmento onde a marca costuma marcar presença.

    A definição de regras claras e uma visão mais azeitada sobre o que dizer ou não nas redes, de forma a favorecer a empresa, também marca muitos pontos no quesito reputação. Uma estratégia reputacional bem construída, levando em conta o equilíbrio entre a imagem que uma empresa e seus dirigentes têm de si mesmo, e como podem ser vistos pelos outros, certamente contribui para evitar (ou mitigar) a crise com mais eficiência.

    Comunicação, reputação e confiança

    Comunicação Integrada e Reputação
    Da mesma forma como um bom conversador ganha reputação e confiança entre amigos, empresas e marcas ganham mais reputação e confiança mantendo diálogos honestos com seus diferentes públicos

    A confiança é o atributo de maior destaque resultante do esforço em busca de melhor reputação. Mas é um engano imaginar que apenas o público consumidor deve ser o principal alvo ou deva ser o grande beneficiário deste quesito. A reputação é construída de modo difuso como somatória de vários aspectos e multifacetada de acordo com diferentes públicos. Exige estratégia de comunicação integrada de forma a dialogar direta ou indiretamente com todos eles.

    Por exemplo, reputação positiva junto ao mercado acionário ajuda a empresa a obter maior valor de mercado – ações de companhias com boa reputação geralmente obtém cotações favoráveis, com preferência de acionistas. Mais: a empresa consegue aumentar seus índices de recomendação espontânea e tem referências positivas nos mais diversos ambientes, como marketplaces e redes sociais, graças a clientes leais e recorrentes a partir de expectativas bem atendidas. Colaboradores orgulhosos de marcas com presença positiva no mercado apresentam maior engajamento (e se tornam também recomendadores espontâneos). De uma forma ampla, geração de confiança facilita gestão e solução de crises.

    Isso tudo é gerado, ou amplificado, quando as marcas mantêm diálogo constante com seus mais diferentes públicos, ou stakeholders, por meio de um conjunto de ferramentas de comunicação empregadas de maneira integrada.

    Stakeholders são os diversos públicos com os quais a empresa se relaciona e contribuem direta ou indiretamente para sua posição no mercado em que atua. São colaboradores, clientes – incluindo ex-clientes, prospects, influenciadores –, fornecedores, parceiros de negócios, imprensa, órgãos de governo, associações e a sociedade como um todo, entre outros.

    A geração de experiências positivas, decorrentes de atividades internas ou externas ao longo de suas relações com todos seus stakeholders, consolida a reputação das marcas. Internamente, é preciso consolidar uma cultura empresarial positiva com relacionada à construção de uma base sólida na adequação e qualificação de colaboradores. Treinamento e comunicação constantes rendem engajamento e orgulho de pertencer.

    A governança corporativa, com desenvolvimento de processos e práticas para amplificar itens como transparência, credibilidade e autenticidade das ações empresariais é um dos focos que devem merecer atenção. Também inclui a preocupação com uma relação ganha-ganha com fornecedores e distribuidores. Ações que reflitam a clara preocupação em corresponsabilidade, com oferta de treinamento e comunicação mais próximas com os colaboradores das empresas parceiras, servem como  exemplos de atuação nesse sentido.

    Não estou falando de coisas que só valem da empresa para fora. Ao contrário, para que existam, é necessário cuidar do que vem de dentro. Explico:  para a experiência dos clientes com a empresa e seus produtos ser positiva, é preciso gerar credibilidade ao desenvolver tais produtos com cuidados em qualidade e desempenho e, naturalmente, a equipe de desenvolvimento e produção precisa estar antenada com o desenho de ofertas melhores.

    Não termina ai: a experiência não está relacionada só à venda dos produtos, mas inclui a forma de atendimento aos clientes, suporte e pós-venda, seja por equipe interna ou terceirizada. Mais uma vez, exige criação de processos redondos e treinamentos com foco em solucionar problemas dos clientes para que sequer cogitem de apelar para ouvidoria ou outras instâncias – como redes sociais, órgãos de controle ou no temido Reclame Aqui– em busca de ajuda. Uma vez solucionado o problema, é hora de rever processos para que o episódio não se repita com outros clientes, em ciclo de realimentação contínua.

    As redes sociais merecem destaque. Utilizadas mais e mais como canais de atendimento e reclamação – com manifestações nem sempre dirigidas diretamente às empresas, mas como forma de desabafo ou retaliação –, hoje são extensão dos braços de suporte e atendimento, na velocidade demandada por esses canais.

    Ou seja, a empresa precisa estar sintonizada em todos os canais de comunicação e pontos de contato – que carinhosamente chamo de momentos da verdade – em que se comprova, na prática, se tudo que se fala foi realmente feito…

    Outro destaque: a necessidade de foco das ações em ESG para ampliar visibilidade e apresentar atuação positiva à sociedade. É aqui, aliás, onde muitas vezes acontece o descasamento entre personalidade (aquilo que a empresa diz que faz) e reputação (a forma como ela realmente é percebida pelos outros).

    Ressalto um detalhe sobre o ambiente Social (o S do ESG). De que adianta uma empresa declarar seu foco em diversidade se, internamente, o tema não está no escopo de sua área de recursos humanos? Recomenda-se como ponto de partida para projetos neste sentido, foco em colaboradores e seu ecossistema, incluindo bem-estar da equipe, diversidade, incentivo à educação, para depois apoiar projetos na sociedade dentro desses temas.

    Outro tanto em relação ao meio ambiente e à sustentabilidade (o E). Constante verificação interna de processos produtivos, eficiência energética, descarte de resíduos (inclusive tóxicos), reciclagem etc. devem vir antes do apoio a ações sociais voltadas ao tema.

    Enfim, considerando que a reputação é o ativo mais valioso de uma empresa, a comunicação integrada de suas ações empresariais se torna o alicerce para sustentar essa reputação e fortalecer ainda mais os laços com todos – de clientes a investidores, funcionários e parceiros de negócios, entre tantos outros. Por tudo isso, é fundamental investir em comunicação integrada, consistente e transparente, para tornar a experiência de seus stakeholders cada vez mais positiva, alimentando um ciclo virtuoso e enriquecedor.

    (*) Claudia Bouman é Sócia da Percepta e redigiu o artigo com base na aula aberta “Comunicação Integrada e seus Impactos na Reputação Empresarial”, ministrada na Faculdade Cásper Líbero.