Conturbações no ambiente interno refletem desafios provocados por discursos controversos da liderança e seus impactos entre clientes
A exposição do Nubank no mês de junho como apoiadora da produtora de vídeos Brasil Paralelo, identificada como difusora de revisionismo e negacionismo (a exemplo da tentativa de desacreditar Maria da Penha, responsável pela lei de proteção de mulheres contra agressores) e que chegou a ser desmonetizada pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE) por divulgação de notícias falsas, provocou um tsunami de comentários negativos em redes sociais e a fuga nada discreta de clientes – muitos fizeram questão de alardear o motivo do encerramento da conta, retroalimentando e mantendo a crise em alta.
Um dos pontos críticos foi a divulgação de um evento da produtora pela cofundadora do banco, Cristina Junqueira, em sua conta no Instagram – a executiva, ainda, acabou deixando o quadro de conselheiros do site Ranking dos Políticos, que tem a Brasil Paralelo entre seus mantenedores. A questão é que uma fala ou opinião pessoal tem a força de comunicado institucional, graças à potência propagatória das mídias sociais. Artigo da BCG de abril aborda o tema e mostra o valor da discrição em um mundo polarizado, em que dirigentes e executivos se tornaram mais cuidadosos para assumirem posições atinentes aos valores preconizados pela empresa para não serem surpreendidos por iniciativas antagonistas às posições assumidas – como apoiar pronunciamentos a favor ou contra questões mais sensíveis.
Estudos da consultoria apontaram que emerge não uma imagem de empresas que se afastam de seus valores, mas de “empresas que recalibram quando e como fazer ouvir suas vozes em era de polarização política e de câmaras de eco virais nas redes sociais”. “As empresas também estão a adotar uma abordagem mais sofisticada com as comunicações geradas, gastando menos tempo a divulgar os seus compromissos e mais a construir o seu business case (…) ”, aponta o artigo. Também estão “documentando as suas ações e explicando as suas posições diretamente aos funcionários, clientes e outras partes interessadas importantes (…), aprendendo a evitar termos que se tornaram politicamente carregados, sujeitos a interpretações errôneas ou que irritam segmentos-chave de seus clientes (…) e construindo mecanismos mais rigorosos para abordar questões espinhosas e mitigar os riscos de relações públicas”. No Nubank, a crise provocou resposta da empresa dizendo não apoiar o canal Brasil Paralelo, analisando a ação como “controle de danos”, que não precisaria ocorrer se houvesse mais cuidado nas manifestações de seus líderes. Também contaminou o ambiente interno, com comentários nada positivos de funcionários circulando nas redes sociais corporativas, reforçando a crise externa. Segundo o portal Intercept, mensagens internas da direção do banco apontaram a necessidade de revisar políticas de comunicação da alta liderança, mas saíram em defesa de Junqueira.
Além de minimizar o post, comunicado interno reforçou a pluralidade de ideias e se posicionou contra “censura” e “intolerância” dos que se posicionaram contra a associação da marca ao ativismo cultural da produtora, bem como contra suposta violência contra quem “promove pontos de vista diferentes. Também destacou como uma das fontes para alimentação do problema “vazamentos internos” sobre seus comunicados. “Qualquer um que recorra a vazamentos (…) deveria procurar outro local de trabalho.”
O caso destaca algumas questões. Uma, que a cultura da liderança parece um tanto contraditório com imagem e discurso inovador da startup que abriu as portas para a revolução digital do sistema financeiro brasileiro. Até que ponto disrupção e conservadorismo entram (ou não) em contradição? Outra, como comunicados do banco aos funcionários admite, a falta de preparo e de política mais bem definida sobre discursos públicos. Mais uma, uma certa inocência ao presumir que discussões internas que não envolvem segredos estratégicos, como planejamento de produtos ou desenvolvimento de algoritmos, fiquem restritas ao ambiente da empresa.
Claro que não é a primeira vez que tropeços de executivos acontecem no mundo corporativo. Por força do boca-a boca alguns casos se tornaram anedotas, como o agradecimento do então presidente do Corinthians às Brahmas que a Antarctica mandou de brinde ou a coletiva de imprensa da Souza Cruz quando um dos porta-vozes deixou transparecer um maço de Marlboro (marca de cigarros da concorrente Phillip Morris). Menos engraçados são casos como a demissão de um executivo da Locaweb que insultou um time de futebol em perfil pessoal de rede social.
Do ponto de vista reputacional, em que os pontos positivos são estimulados por políticas comunicacionais integradas abrangendo todos os públicos de interesse (stakeholders) e todos os seus pontos de contato, o exemplo indica uma possível atenção maior do banco com, digamos, a comunicação com mercado financeiro e de capitais, do que com o perfil social adequado a seus executivos – o que, hoje, pesa tanto junto a consumidores finais do que patrocínios e ativações milionárias em eventos diversos, segmento onde a marca costuma marcar presença.
A definição de regras claras e uma visão mais azeitada sobre o que dizer ou não nas redes, de forma a favorecer a empresa, também marca muitos pontos no quesito reputação. Uma estratégia reputacional bem construída, levando em conta o equilíbrio entre a imagem que uma empresa e seus dirigentes têm de si mesmo, e como podem ser vistos pelos outros, certamente contribui para evitar (ou mitigar) a crise com mais eficiência.
Mestre em Comunicação pela UNIP, pós-graduada em Marketing pela ESPM e Flórida International University, com mais de 25 anos de experiência no mercado atuando, principalmente, nas áreas de Planejamento, Marketing e Comunicação em diversos perfis de empresas. Professora e Palestrante para cursos de graduação e pós-graduação. É coautora do Livro: Um Profissional para 2020 – Editora B4.