(e como fazer do limão uma limonada)
Do ataque de fake-news às respostas ingratas em situações de crise, o “saldo reputacional” ajuda as empresas a enfrentarem momentos delicados apoiadas na confiança construída passo a passo junto a seus públicos
O impacto de polêmicas – reais ou fictícias – envolvendo marcas, produtos e empresas é em grande parte proporcional à sua reputação ante seus públicos de interesse, de consumidores a acionistas.
Os exemplos se acumulam ao longo do tempo. Alguém que tenha nascido no século passado deve lembrar da mitologia em torno do uso de minhocas na composição da carne utilizada pelo McDonald´s em seus hambúrgueres. Ou do dedo encontrado dentro de uma lata de Coca-Cola.
A chegada das redes sociais tornou cenários antes difusos, de boca a boca, mais concretos e sensíveis, a elementos verdadeiros ou não, e passaram a exigir ainda mais apuro das empresas na construção de pilares nos quais se apoiar para se defender de detratores – bem como nas respostas à exposição indesejada. Recentemente, o banco Itaú criou o blog #éFake para combater notícias falsas, detectadas principalmente em redes sociais, envolvendo a instituição em questões como cerceamento de entrevistas de personalidades. A iniciativa nasceu depois que o banco passou a ser relacionado, nas mesmas plataformas, à fabricante de informática Positivo, fornecedora de urnas eletrônicas, ambos acusados de envolvimento em fraudes eleitorais.
A resposta sutil não ganhou as manchetes. O mesmo não se pode dizer de outro caso ainda mais recente, dessa vez envolvendo a rede de supermercados Carrefour. A marca, exposta a conflitos como a morte de um cliente por seguranças, entrou de novo em cena de novo depois que seu presidente mundial saiu em defesa dos pecuaristas franceses e declarou que não compraria mais carne do continente sul-americano.
A posição caiu mal e provocou desabastecimento da rede no Brasil, com suspensão de entregas pelos frigoríficos a serem afetados pela medida. A decisão de publicar uma carta em jornais de grande circulação elogiando a si própria e ao setor pecuário brasileiro, sem se retratar, não ajudou em nada a posição da marca, obrigada a voltar atrás para retomar os negócios no país.
Decisões similares adotadas no passado mostram que assumir discurso desatrelado da realidade não ajuda em nada a reputação circunstancialmente abalada. Pelo contrário. A relutância em admitir tropeços claros não cai nada bem no mundo atual, em que as empresas precisam ser boazinhas, não fazer xixi na cama e lavar a boca ao dizer palavrões.
E isso vale para todas – desde gigantes multinacionais até pequenas e médias empresas que podem ser expostas até por fatos aparentemente inocentes, como uma sirene que incomoda os vizinhos, uma queixa inesperada no Reclame Aqui, um atrabelho de um vendedor que soltou o verbo diante de um cliente ranzinza.
Motivos de sobra para redobrar a atenção com o que se passa dentro e fora dos muros, com ouvidos, olhos e ferramentas de dados para observar de perto como empresa, marca e reputação estão sendo vistas. Além disso, claro, cuidar bem do discurso: pesar bem os prós e contras antes de sair só dizendo “não fui eu”. E, acima de tudo, nunca esquecer no dia a dia a vantagem inegável: o benefício da dúvida.
Empresas que fazem a lição de casa, detectam e cuidam cotidianamente de medidas capazes de enriquecer sua reputação, saem com vantagem em momento de crise. Outro exemplo recente, o da vinícola Aurora, mostra o resultado dessa construção e do posicionamento adequado na hora necessária.
No ano passado a empresa se viu envolvida em denúncia de trabalho análogo à escravidão, depois de ação do Ministério Público do Trabalho contra a Fenix, fornecedora de mão de obra para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton. As três assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com mais de 20 obrigações para impedir a repetição da encrenca, mas a Aurora aproveitou a ocasião para fazer do limão e limonada e ir além.
Uma das decisões foi adotar CLT para contratação de todos os funcionários da safra entre dezembro de 2023 e março último – caso terceirizados, eles precisam dormir na casa do produtor, para maior fiscalização. Em abril foi iniciado programa de boas práticas agrícolas (BPA) para orientar viticultores sobre normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com inspeções periódicas das propriedades. Como resultado, o impacto da crise foi mínimo – o grupo de 1,1 mil associados cresceu 4% no ano passado e deve se expandir mais 10% este ano. (Ver informações publicadas aqui)
O caso mostra o óbvio: empresas são beneficiadas por sua boa reputação e, quando o quesito está firmemente implantado em suas estratégias, as crises tornam-se oportunidades de melhoria e acréscimo positivo de imagem e saldo reputacional.
Mestre em Comunicação pela UNIP, pós-graduada em Marketing pela ESPM e Flórida International University, com mais de 30 anos de experiência no mercado atuando, principalmente, nas áreas de Reputação, planejamento, marketing e comunicação em diversos perfis de empresas. Sócia da Percepta Reputação Empresarial, consultora, professora e palestrante para cursos de graduação e pós-graduação. É coautora do Livro: Um Profissional para 2020 – Editora B4.
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