Trocas reputacionais

Uso de celebridades por marcas
Crises recentes provocadas pelas relações entre marcas e celebridades mostram como o “casamento” pode impactar a reputação, tanto de um lado como de outro

A recente recuperação de um dos comerciais mais icônicos da história da marca surpreendeu o público da Levi´s. O filme, cuja versão anterior foi ao ar em 1985, é protagonizado por Beyoncé, que se despe de seus jeans em uma lavanderia tendo ao fundo a música Levi´s Jeans, de seu álbum Cowboy Carter.

M62, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons
David Shankbone, CC BY-SA 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/, via Wikimedia Commons

O sucesso publicitário tem um pano de fundo hollywoodiano. Ao contrário dos anos 1980, quando a surpresa de um rapaz tirando a roupa para lavar trazia traços de uma recente libertação sexual, o momento agora é mais sensível e houve quem considerasse inconveniente explorar a sensualidade da cantora – cujo nome foi citado, junto de seu marido Jay-Z, entre diversas outras celebridades supostamente envolvidas em escândalo sexual exposto com a prisão do rapper Sean ‘Diddy’ Combs.

O impacto da controvérsia nas forças reputacionais da marca e da celebridade é difícil imaginar. Nas redes sociais a cantora chegou a perder 4 milhões de seguidores em poucos dias, pouco mais de 1% de seu batalhão com 316 milhões de fãs registrados. Mas expõe como a relação entre marcas e celebridades pode trazer consequências para ambos os lados, para o bem ou para o mal.

Em um mundo onde personagens catapultados pelas redes sociais ganham espaço, sem sequer de longe contarem com talento e trajetória de uma artista deste calibre, a questão se torna ainda mais sensível. Só para ficar no mundo da moda, a Adidas também se viu em meio a polêmicas envolvendo seu cast de influenciadores.

Em junho, para o lançamento do modelo SL72 (nova versão dos tênis lançados durante as Olimpíadas de Munique, em 1972), a marca escalou a supermodelo e influenciadora digital Bella Hadid, de ascendência palestina e publicações com o tema Palestina Livre em seu perfil social. Uma inconveniência, para dizer o mínimo, já que no evento 11 atletas israelenses foram assassinados por terroristas palestinos e o momento atual é para lá de sensível.

A moça foi retirada da campanha. Mas esse não foi o primeiro tropeço da marca. Há dois anos, comentários considerados antissemitas levaram ao encerramento do contrato com o músico Kanye West, mesmo com a linha Yezzy de Kanye West tendo sido uma das responsáveis pelo lucro da empresa em 2023. Outras parceiras do artista, como Balenciaga e Gap, também preferiram finalizar acordos e se distanciar da polêmica.

A questão é que muitas vezes as escolhas parecem ter sido levadas mais pela fama e força dos números – de audiência, financeiros e outros – do que pela adequação entre marcas e perfis. Um exemplo recente e local expôs o funcionamento em duas mãos, quando o biólogo e influenciador científico Átila Iamarino, com cerca de 1 milhão de seguidores no Instagram, publicou posts publicitários da petrolífera Shell.

A contradição não caiu bem para o moço, embora seu histórico possa ter caído como uma luva para apresentar a marca como a melhor amiga do meio ambiente e sustentáculo ante as mudanças climáticas. Ainda por aqui, recentemente, o cantor Gusttavo Lima veio a público se defender de acusações de participar de organização criminosa e lavagem de dinheiro por associação com a Vai de Bet, uma das casas de aposta digital com imagem deteriorada e que, até recentemente, assinava a camisa do Corinthians.

O segmento se tornou um dos grandes investidores do Brasil. São R$ 2,3 bilhões ao ano, mais ou menos 10% do total movimentado pela propaganda no Brasil. Em maio, o levantamento Bolavip Brasil mostrou que as bets correspondiam a 80% dos patrocínios na Série A do Brasileirão.

Para quem olha de fora pode parecer estranho um time ser patrocinado por uma empresa que ganha ou perde com seus resultados. Além disso, o setor ficou manchado depois que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indicou gastos de R$ 68 bilhões dos brasileiros em apostas nas bets entre junho de 2023 e junho de 2024, perto de 1% do volume total do consumo nacional no período.

Nas redes sociais a febre das bets ligou maciçamente marcas de apostas online, de esportes ao jogo do tigrinho”, a influenciadores digitais, incluindo crianças a partir de 6 anos. A onipresença levou à imposição de restrições a anúncios para promoção de apostas por influenciadores a partir do ano que vem.

Olhando de fora mais uma vez, a ligação de apostas pagas com crianças parece naturalmente distante. A soma dos casos mostra que a lição de casa mínima para unir reputações não é seguida em muitos casos. A visita ao perfil do influenciador ou a avaliação do impacto do patrocínio da marca à celebridade são passos mínimos – hoje já existem até ferramentas tecnológicas parrudas para ajudar nessa análise.

Em empresas com mais limitação de verbas, a situação fica ainda mais exposta. Não são raras requisições de executivos e empresários mais direcionadas por apreço ou vaidade do que por adequação. “Sigo tal fulano” ou “adoro sicrano” não são as melhores orientações. Claro que isso não nasceu no mundo digital. Um de nossos parceiros se recorda da solicitação de um ex-cliente para contratação de uma artista na época – com uma condição adicional, agendar um jantar com a cantora levando a reboque a netinha do empresário.

O casamento de reputações deve ser apoiado em bases técnicas, com pesquisa de aderência e sinergias com a marca. Avaliações isentas podem mapear adequações com mais precisão do que o gosto pessoal. É um esforço que vale a pena, para os dois lados.

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